sexta-feira, julho 06, 2007

Só para Trintões...

Artigo de Nuno Markl - para a geração dos 30

A juventude de hoje, na faixa que vai até aos 20 anos, está perdida. E
está perdida porque não conhece os grandes valores que orientaram os
que hoje rondam os trinta. O grande choque, entre outros nessa
conversa, foi quando lhe falei no Tom Sawyer. "Quem? ", perguntou ele.
Quem?! Ele não sabe quem é o Tom Sawyer! Meu Deus... Como é que ele
consegue viver com ele mesmo? A própria música: "Tu que andas sempre
descalço, Tom Sawyer, junto ao rio a passear, Tom Sawyer, mil amigos
deixarás, aqui e além..." era para ele como o hino senegalês cantado
em mandarim.

Claro que depois dessa surpresa, ocorreu-me que provavelmente ele não
conhece outros ícones da juventude de outrora. O D'Artacão, esse herói
canídeo, que estava apaixonado por uma caniche; Sebastien et le
Soleil, combatendo os terríveis Olmecs; Galáctica, que acalentava os
sonhos dos jovens, com as suas naves triangulares; O Automan, com o
seu Lamborghini que dava curvas a noventa graus; O mítico Homem da
Atlântida, com o Patrick Duffy e as suas membranas no meio dos dedos;
A Super Mulher, heroína que nos prendia à televisão só para a ver
mudar de roupa (era às voltas, lembram-se?); O Barco do Amor, que
apesar de agora reposto na Sic Radical, não é a mesma coisa. Naquela
altura era actual... E para acabar a lista, a mais clássica de todas
as séries, e que marcou mais gente numa só geração :

O Verão Azul. Ora bem, quem não conhece o Verão Azul merece morrer.
Quem não chorou com a morte do velho Shanquete, não merece o ar que
respira. Quem, meu Deus, não sabe assobiar a música do genérico, não
anda cá a fazer nada.

Depois há toda uma série de situações pelas quais estes jovens não
passaram, o que os torna fracos: Ele nunca subiu a uma árvore! E pior,
nunca caiu de uma. É um mole. Ele não viveu a sua infância a sonhar
que um dia ia ser duplo de cinema. Ele não se transformava num
super-herói quando brincava com os amigos. Ele não fazia guerras de
cartuchos, com os canudos que roubávamos nas obras e que depois
personalizávamos.

Aliás, para ele é inconcebível que se vá a uma obra. Ele nunca roubou
chocolates no Pingo-Doce. O Bate-pé para ele é marcar o ritmo de uma
canção.

Confesso, senti-me velho...

Esta juventude de hoje está a crescer à frente de um computador. Tudo
bem, por mim estão na boa, mas é que se houver uma situação de perigo
real, em que tenham de fugir de algum sítio ou de alguma catástrofe,
eles vão ficar à toa, à procura do comando da Playstation e a gritar
pela Lara Croft.

Óbvio,
nunca caíram quando eram mais novos. Nunca fizeram feridas, nunca
andaram a fazer corridas de bicicleta uns contra os outros. Hoje, se
um miúdo cai, está pelo menos dois dias no hospital, a levar pontos e
fazer exames a possíveis infecções, e depois está dois meses em casa
fazer tratamento a uma doença que lhe descobriram por ter caído.
Doenças com nomes tipo "Moleculum infanticus", que não existiam
antigamente.

No meu tempo, se um gajo dava um malho muitas vezes chamado de "terno"
nem via se havia sangue, e se houvesse, não era nada que um bocado de
terra espalhada por cima não estancasse.

Eu hoje já nem vejo as mães virem à rua buscar os putos pelas orelhas,
porque eles estavam a jogar à bola com os ténis novos. Um gajo na
altura aprendia a viver com o perigo. Havia uma hipótese real de se
entrar na droga, de se engravidar uma miúda com 14 anos, de apanharmos
tétano num prego enferrujado, de se ser raptado quando se apanhava
boleia para ir para a praia. E sabíamos viver com isso. Não estamos
cá? Não somos até a geração que possivelmente atinge objectivos
maiores com menos idade? E ainda nos chamavam geração "rasca"...

Nós éramos mais a geração "à rasca", isso sim. Sempre à rasca de
dinheiro, sempre à rasca para passar de ano, sempre à rasca para
entrar na universidade, sempre à rasca para tirar a carta, para o pai
emprestar o carro. Agora não falta nada aos putos.

Eu, para ter um mísero Spectrum 48K, tive que pedir à família toda
para se juntar e para servir de presente de anos e Natal, tudo junto.
Hoje, ele é Playstation, PC, telemóvel, portátil, Gameboy, tudo.

Claro, pede-se a um chavalo de 14 anos para dar uma volta de bicicleta
e ele pergunta onde é que se mete a moeda, ou quantos bytes de RAM tem
aquela versão da bicicleta.

Com tanta protecção que se quis dar à juventude de hoje, só se
conseguiu que 8 em cada dez putos sejam cromos.

Antes, só havia um cromo por turma. Era o totó de óculos, que levava
porrada de todos, que não podia jogar à bola e que não tinha
namoradas.

É certo que depois veio a ser líder de algum partido, ou gerente de
alguma empresa de computadores, mas não curtiu nada.