sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Para quem tem saudades das cronicas do MST no Publico

O Cerco
por Miguel Sousa Tavares

JÁ FALTOU mais para que um dia destes tenha de passar à clandestinidade ou, no mínimo, tenha de me enfiar em casa a viver os meus vícios secretos. Tenhoum catálogo deles e todos me parecem ameaçados: sou heterossexual «full time»; fumo, incluindo charutos; bebo; como coisas como pezinhos de coentrada, joaquinzinhos fritos e tordos em vinha d'alhos; vibro com o futebol; jogo cartas, quando arranjo três parceiros para o «bridge» ou quando, de dois em dois anos, passo à porta de um casino e me apetece jogar «black-jack»; não troco por quase nada uma caçada às perdizes entre amigos; acho a tourada um espectáculo deslumbrante, embora não perceba nada do assunto; gosto de ir à pesca «ao corrido» e daquela luta de morte com o peixe, em que ele não quer vir para bordo e eu não quero que ele se solte do anzol; acredito que as pessoas valem pelo seu mérito próprio e que quem tem valor acaba fatalmente por se impor, e por isso sou contra as quotas; deixei de acreditar que o Estado deva gastar os recursos dos contribuintes a tentar «reintegrar» as «minorias» instaladas na assistência pública, como os ciganos, os drogados, os artistas de várias especialidades ou os desempregados profissionais; sou agnóstico (ou ateu, conforme preferirem) e cada vez mais militantemente, à medida que vou constatando a actualidade crescente da velha sentença de Marx de que «a religião é o ópio dos povos»; formado em direito, tornei-me descrente da lei e da justiça, das suas minudências e espertezas e da sua falta de objectividade social, e hoje acredito apenas em três fontes legítimas de lei: a natureza, a liberdade e o bom senso.
Trogloditas como eu vivem cada vez mais a coberto da sua trincheira, numa batalha de retaguarda contra um exército heterogéneo de moralistas diversos: os profetas do politicamente correcto, os fanáticos religiosos de todos os credos e confissões, os fascistas da saúde, os vigilantes dos bons costumes ou os arautos das ditaduras «alternativas» ou «fracturantes». Se eu digo que nada tenho contra os casamentos homossexuais, mas que, quanto à adopção, sou contra porque ninguém tem o direito de presumir a vontade «alternativa» de uma criança, chamam-me homofóbico (e o Parlamento Europeu acaba de votar uma resolução contra esse flagelo, que, como está à vista, varre a Europa inteira); se a uma senhora que anteontem se indignava no «Público» porque detectou um sorriso condescendente do dr. Souto Moura perante a intervenção de uma deputada, na inquirição sobre escutas na Assembleia da República, eu disser que também escutei a intervenção da deputada com um sorriso condescendente, não por ela ser mulher mas por ser notoriamente incompetente para a função, ela responder-me-ia de certeza que eu sou «machista» e jamais aceitaria que lhe invertesse a tese: que o problema não é aquela deputada ser mulher, o problema é aquela mulher ser deputada; se eu tentar explicar por que razão a caça civilizada é um acto natural, chamam-me assassino dos pobres animaizinhos, sem sequer quererem perceber que os animaizinhos só existem porque há quem os crie, quem os cace e quem os coma; se eu chego a Lisboa, como me aconteceu há dias, e, a vinte quilómetros de distância num céu límpido, vejo uma impressionante nuvem de poluição sobre a cidade, vão-me dizer que o que incomoda verdadeiramente é ofumo do meu cigarro, e até já em Espanha e Itália, os meus países mais queridos, tenho de fumar envergonhadamente à porta dos bares e restaurantes, como um cão tinhoso; enfim, se eu escrever velho em vez de «idoso», drogado em vez de «tóxicodependente», cego em vez de «invisual», preso em vez de «recluso» ou impotente em vez de «portador de disfunção eréctil», vou ser adoptado nas escolas do país como exemplo do vocabulário que não se deve usar.
Vou confessar tudo, vou abrir o peito às balas: estou a ficar farto desta gente, deste cerco de vigilantes da opinião e da moral, deste exército de eunucos intelectuais.Agora vêm-nos com esta história dos «cartoons» sobre Maomé saídos num jornal dinamarquês. Ao princípio a coisa não teve qualquer importância: um «fait-divers» na vida da liberdade de imprensa num país democrático. Mas assim que o incidente foi crescendo e que os grandes exportadores de petróleo, com a Arábia Saudita à cabeça, começaram a exigir desculpas de Estado e a ameaçar com represálias ao comércio e às relações económicas e diplomáticas, as opiniões públicas assustaram-se, os governantes europeus meteram a viola da liberdade de imprensa ao saco e a srª comissária europeia para os Direitos Humanos (!) anunciou um inquérito para apurar eventuais sintomas de «racismo» ou de «intolerância religiosa» nos «cartoons» profanos. Eis aonde se chega na estrada do politicamente correcto: a intolerância religiosa não é de quem quer proibir os «cartoons», mas de quem os publica!
A Dinamarca não tem petróleo, mas é um dos países mais civilizados do mundo: tem um verdadeiro Estado Social, uma sociedade aberta que pratica a igualdade de direitos a todos os níveis, respeita todas as crenças, protege todas as minorias, defende o cidadão contra os abusos do Estado e a liberdade contra os poderosos, socorre os doentes e os velhos, ajuda os desfavorecidos, acolhe os exilados, repudia as mordomias do poder, cobra impostos a todos os ricos, sem excepção, e distribui pelos pobres. A Arábia Saudita tem petróleo e pouco mais: é um país onde as mulheres estão excluídas dos direitos, onde a lei e o Estado se confundem com a religião, onde uma oligarquia corrupta e ostentatória divide entre si o grosso das receitas do petróleo, onde uma polícia de costumes varre as ruas em busca de sinais de «imoralidade» privada, onde os condenados são enforcados em praça pública, os ladrões decepados e as «adúlteras» apedrejadas em nome de um código moral escrito há quase seiscentos anos. E a Dinamarca tem de pedir desculpas à Arábia Saudita por ser como é e por acreditar nos valores em que acredita?Eu não teria escrito nem publicado «cartoons» a troçar com Maomé ou com a Nossa Senhora de Fátima. Porque respeito as crenças e a sensibilidade religiosa dos outros, por mais absurdas que elas me possam parecer. Mas no meu código de valores - que é o da liberdade - não proíbo que outros ofaçam, porque a falta de gosto ou de sensibilidade também têm a liberdade de existir. E depois as pessoas escolhem o que adoptar. É essa a grande diferença: seguramente que vai haver quem pegue neste meu texto e o deite ao lixo, indignado. É o seu direito. Mas censurá-lo previamente, como alguns seguramente gostariam, isso não.
É por isso que eu, que todavia sou um apaixonado pelo mundo árabe e islâmico, quanto toca ao essencial, sou europeu - graças a Deus. Pelo menos, enquanto nos deixarem ser e tivermos orgulho e vontade em continuar a ser a sociedade da liberdade e da tolerância.
no "Expresso" de 04-02-06
Fiquem bem e bom fim de semana!
Rui

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Outros blogs

Um dos meus desportos favoritos e' dar uma vista de olhos aos blogues dos outros (la' em cima, no canto superior direito, onde diz "next blog"). `As vezes descobrem-se umas coisas engracadas. Aqui vao um par de links de uns blogues de portugueses com bastante piada:

http://tapornumporco.blogspot.com/ (finalmente vi os cartoons da discordia aqui!)

e

http://sacoriscado.blogspot.com/

Mais uma coisinha: parece que houve alguem que decidiu fazer uma base de dados de investigadores portugueses: www.papaformigas.com. Eu ja' me registei, e voces?


Abraco,

Rui

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Nao havia necessidade...

Todos sabemos que esta' a ser um exagero a maneira como se esta' a "protestar" contra os cartoons que os "infieis" insistiram em mostrar, ofendendo Maome'. Hoje de manha a BBC noticiou manifestacoes no Paquistao onde ja' cairam mortos pelo menos dois manifestantes, enquanto os outros atacavam uma empresa Norueguesa (sempre e' perto da Dinamarca, certo?), um KFC e um banco (!?). Como o Vitor comentou, as pessoas que se prestam a isto provavelmente sao levadas por um punhado de extremistas que se aproveitam delas. Triste...
Tambem triste (embora nao surpreendente) a posicao de um tipo qualquer da Liga do Norte (ita'lia) ; vejam a noticia do publico em : http://www.publico.clix.pt/shownews.asp?id=1247872&idCanal=16. Nao havia necessidade...

Rui

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Concursos da FCT

Acabei agora de telefonar para a FCT a propósito dos concursos de Post-Doc.
O prazo para a candidatura ser avaliada neste concurso é o final de Fevereiro. Por isso quem se quer candidatar ainda tem 15 dias.
E não esperem pelo concurso de Junho/Julho, pois as bolsas aprovadas agora vão ter como data de inicio SETEMBRO!
Sim, a data de começo é Setembro.
Há sempre a possibilidade de se fazer um pedido excepcional à fundação para a bolsa começar mais cedo, mas tem de ser avaliadas as razões do pedido....
Acho que este começo tão desfasado da avaliação um escândalo. Obriga uma pessoa, na parte mais crucial do seu doutoramento os últimos meses antes de escrever à procura de laboratório, estudar novos temas em muitos casos que pouco ou nada tem a ver com o objecto do seu estudo e escrever um projecto. Para assim não se ficar 6 meses sem receber...
Um pequeno desabafo...
beijos e abraços

Luís


PS mais importante do que isto, a Inês está boa e cresce. A data prevista é por meados de Março.

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

A proposito de cartoons...

Tenho andado para comentar a historia dos cartoos de Maome' (nao se fala de outra coisa...), mas nao e' facil argumentar pela liberdade de imprensa vs respeito pela religiao ou direito `a indignacao vs desrespeito pelas mais elementares regras de sociedade. Nao e' facil apelar `a razao quando ha' um grupo de pessoas que manipula a indignacao de um "povo" do modo como vem sendo feito. A proposito, aqui vai uma foto de (mais) uma manif, agora nas Filipinas (n'o Publico de hoje)... E' incrivel a proporcao que as coisas tomaram!



Em cima de tudo isto, e com muita gente a tentar chamar as pessoas `a razao (inclusivamente muitos lideres religiosos muculmanos), vem o nosso Durao Barroso dizer ( outra vez noticia do publico):

"A defesa da liberdade de expressão é um principio sagrado" da democracia europeia, que "nada" pode pôr em causa, afirmou ontem à noite, em Washington, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso.

Para quem nao deveria estar a misturar alhos com bugalhos...


Rui
PS: sera' que o cartoon que a Sof mandou vai espoletar uma polemica do genero dos outros?
PS2: Eu ainda nao vi os "cartoons da discordia". E voces?